Uma vontade física de comer o universo
Toma às vezes o lugar do meu pensamento…
Uma fúria desmedida
A conquista a posse como que absorvedora
Dos céus e das estrelas
Persegue-me como um remorso de não ter cometido um crime.
Como quem olha um mar
Olho os que partem em viagem…
Olho os comboios como quem os estranha,
Grandes cousas férreas e absurdas que levam almas,
Que levam consciências da vida e de si próprias
Para lugares realmente reais,
Para os lugares que – custa crer – realmente existem
Não sei como, mas é no espaço e no tempo
E têm gente que tem vidas reais
Seguidas hora a hora como as nossas vidas…
Ah, por uma nova sensação física
Pela qual eu possuísse o universo inteiro,
Um novo tacto que fizesse pertencer-me,
A meu ser possuidor fisicamente,
O universo com todos os seus sóis e as suas estrelas
E as vidas múltiplas das suas almas…
[Primavera de 1914]
Álvaro de Campos in "Poesia dos Outros Eus"
1 comentário:
a importância dos detalhes minimos na ausência sensorial...
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