17.3.08

Uma vontade física...


Uma vontade física de comer o universo
Toma às vezes o lugar do meu pensamento…
Uma fúria desmedida
A conquista a posse como que absorvedora
Dos céus e das estrelas
Persegue-me como um remorso de não ter cometido um crime.

Como quem olha um mar
Olho os que partem em viagem…
Olho os comboios como quem os estranha,
Grandes cousas férreas e absurdas que levam almas,
Que levam consciências da vida e de si próprias
Para lugares realmente reais,
Para os lugares que – custa crer – realmente existem
Não sei como, mas é no espaço e no tempo
E têm gente que tem vidas reais
Seguidas hora a hora como as nossas vidas…

Ah, por uma nova sensação física
Pela qual eu possuísse o universo inteiro,
Um novo tacto que fizesse pertencer-me,
A meu ser possuidor fisicamente,
O universo com todos os seus sóis e as suas estrelas
E as vidas múltiplas das suas almas…


[Primavera de 1914]



Álvaro de Campos in "Poesia dos Outros Eus"

1 comentário:

Anónimo disse...

a importância dos detalhes minimos na ausência sensorial...